Horror. Desde os primeiros
vestígios do gênero no cinema, não foram poucos os artistas que se empenharam
para promover a edificação do mal-estar nas salas de projeção. Dentre
realizadores e atores, muitos se alçaram ao status de ícones do cinema de horror,
mas poucos se tornaram verdadeiras lendas, perpetuadas não somente pela memória
do cinema, mas também como a imagem/produto da indústria da cultura.
Ao lançar a proposta “cinema de
horror” ou “filmes de terror”, é fato que, para a maioria das pessoas, haja
associações com imagens tenebrosas, perseguições e gritos intermináveis. Para o
grande público, talvez seja mais recorrente relacionar o gênero às figuras
caricatas como o Brinquedo Assassino e Fred Krueger, ou se levar por
influências contemporâneas, como os sanguinolentos filmes de massacre (as
franquias “Premonição” e “Jogos Mortais”), que se disfarçam como cinema de
horror, enquanto são apenas mortes em série sem argumentos convincentes.
No cinema, o caráter de clássico
não se limita apenas aos filmes antigos. Produções contemporâneas também têm o
potencial de atingir esse prestígio. Como dito por inúmeros críticos, “um
clássico imediato”. Portanto, até mesmo na leva dos últimos filmes da década de
2000, podemos encontrar amostras do horror genuíno, cunho que, por mais de um
século, elevou determinadas representações fílmicas do terror à qualidade de
clássicos indispensáveis.
Dentre as produções que cumprem o
horror com brilhantismo, selecionei os títulos e informações sobre as tramas.
Agora, caberá a você se imergir nesse universo de ansiedade e inquietação,
descobrindo ou rememorando as tragédias de horror mais cultuadas no cinema.
LE SPECTRE ROUGE (1907), de
Segundo de Chomón
Neste pequeno filme dos
primórdios do cinema, o Mago Demoníaco realiza performances macabras numa
gruta. Ele usa mulheres para a demonstração de sua magia, dialogando
diretamente com o espectador (algo muito comum nessa primeira fase do cinema).
O que para nós é um espetáculo, mistura de medo e comédia circense, para as mulheres
na trama é uma verdadeira tortura. Porém, um Bom Espírito surge para
reivindicar a liberdade das vítimas e extinguir as atrocidades do feiticeiro. Curioso
interpretar a derrota do Mago pelo Espírito, representado por uma atriz, como
uma crítica ao machismo e ao sistema patriarcal.
NOSFERATU (1922), de F.W. Murnau
Baseado no romance gótico de Bram
Stoker, “Drácula”, este clássico expressionista acompanha a obsessão de Conde
Orlok por uma nova e importante hóspede em seu castelo. O vampiro interpretado
por Max Schreck é pioneiro das representações do Conde Drácula e do próprio
culto ao vampirismo no cinema.
METRÓPOLIS (1927), de Fritz Lang
Trama futurista que serviu de
base para inúmeras obras da ficção científica, leva o horror ao patamar
psicológico. Baseando-se na verídica desigualdade social na qual se encontrava
o estado alemão, o filme expõe um futuro onde os ricos vivem próximos ao
paraíso, no topo dos edifícios, enquanto os pobres e operários vivem no
subsolo, escravizados pela ambição dos poderosos. A produção também insere no
cinema um medo genuíno do futuro, ao confrontar a eficiência limitada dos
homens com a eficiência inesgotável das máquinas, lançando a questão sobre uma
possível substituição da mão-de-obra humana pela mecânica, acarretando na extinção
da classe trabalhadora por sua inutilidade.
FREAKS (1932), de Tod Browning
Com um elenco de deficientes
físicos e mentais verdadeiros, a narrativa acompanha o cotidiano de uma trupe
circense. Ao descobrir que o anão Hans possui uma grande fortuna, a bela e
preconceituosa Cleopatra decide se casar com ele. Tudo não passa de uma
armação, exposta pelos descuidados e a repulsa de Cleo pela “família” de
monstros do circo. A vingança dos freaks
contra a golpista está entre as cenas mais funestas do cinema.
PSICOSE (1960), de Alfred
Hitchcock
Marion Crane sendo esfaqueada no
chuveiro está na memória de quem, inclusive, não viu o filme. A cena ilustre foi
filmada em 70 ângulos diferentes, por 7 dias. A trilha sonora é a mais
recorrente nas representações de pavor ou suspense, sendo inclusive vulgarizada,
como nos populares programas de TV aos domingos. O filme contribuiu para firmar
ainda mais a alcunha de Hitchcock como Mestre do Suspense. Interessante como a
trama evolui de suspense policial para terror psicanalítico, imortalizado numa
das frases mais celebradas do cinema, “A boy’s best friend is his mother”. As
filmagens de “Psicose” serão retratadas em “Hitchcock and the making of
Psycho”, estrelado por Anthony Hopkins e estreia prevista para 2013.
O QUE TERÁ ACONTECIDO A BABY JANE?
(1962), de Robert Aldrich
Duas lendas da Hollywood clássica
se encontram nessa produção surpreendente. Bette Davis e Joan Crawford
interpretam, respectivamente, as irmãs Baby Jane e Blanche Hudson. Quando crianças,
Jane era a estrela da família, cantando em teatros, enquanto a irmã era
constantemente reprimida. Quando moças, Blanche ingressa numa carreira
monumental como atriz de cinema. O sucesso mirim de Jane, todavia, é minguado
até desaparecer. Apesar das desavenças entre elas, o destino une uma Jane
desequilibrada, entregue ao alcoolismo, a uma Blanche novamente fragilizada,
paraplégica após um acidente. Já próximas dos 60 anos, Blanche decide internar
a irmã em uma clínica de repouso. A notícia transtorna Jane e a impulsiona a
transformar a vida de Blanche em um verdadeiro pesadelo. Além da trama
inteligente, é interessante o modo como Bette e Joan são representadas na
juventude, com a utilização de trechos de filmes estrelados pelas próprias na
década de 1930. As magníficas performances se salientam pelo fato de que as
protagonistas não se simpatizavam na vida real. Rumores apontam que as
agressões entre elas, no filme, não eram encenações e sim tapas, chutes,
arranhões e puxões de cabelos reais.
O BEBÊ DE ROSEMARY (1968), de
Roman Polanski
Ao se mudar com o marido para um
novo apartamento, Rosemary Woodhouse começa a se incomodar com a extrema
dedicação e os secretismos dos vizinhos, suspeitando ser vítima de alguma
conspiração. Após tomar conhecimento sobre o passado macabro do prédio onde
mora e das seitas satânicas conduzidas por inquilinos de outrora, Rosemary,
agora grávida, suspeita que os vizinhos são bruxos e pretendem raptar seu bebê
após o nascimento para ofertá-lo ao demônio. As incertezas e hesitações de
Rosemary, acentuadas pelo estímulo claustrofóbico do apartamento, são pontos
altos do filme, levando o espectador às mesmas dúvidas sobre o que pode ou não
ser a realidade.
O EXORCISTA (1973), de William
Friedkin
Garota possuída por um demônio é
o pano de fundo para um argumento que explora, sobretudo, a culpa. A maldade
aqui representada surge num ambiente de negligência materna. A possessão de
Regan, filha de uma atriz bem sucedida, atrai personagens que carregam igualmente,
por razões pessoais distintas, personalidades conflituosas, afetadas pelo
egoísmo, a covardia e o menosprezo pelas relações familiares. Tecnicamente
impecável ao retratar as facetas da jovem possuída, o filme ganha, sobretudo,
por uma crítica e reflexão sobre a família e a posição da fé na efêmera sociedade
americana da década de 1970.
O ILUMINADO (1980), de Stanley
Kubrick
Família confinada em hotel vê-se
às margens da tragédia, quando o patriarca é atingido pelas perturbações do
isolamento em plena crise criativa. O diretor nos oferece uma história de
fantasmas sem apelos grotescos. Belamente iluminado, o filme é plasticamente
impecável. Os principais momentos de tensão e horror provêm dos ruídos em cena
e da trilha sonora, mas, sobretudo, das interpretações, expressões célebres do
trio de atores que compõem a família Torrance. É um filme de rostos. O momento
em que o pai e escritor atormentado, interpretado por Jack Nicholson, arromba a
porta do banheiro com um machado enquanto a mulher grita em desespero,
interpretação veemente de Shelley Duvall, além de ápice da projeção, tornou-se a
marca do filme, clássico do cinema, perpetuada até hoje das mais diversas
formas, como em camisetas e ímãs de geladeira.
O SILÊNCIO DOS INOCENTES (1991),
de Jonathan Demme
Fábula do horror, acompanha as
peripécias de Clarice Starling, uma agente do FBI apadrinhada por Hannibal
Lecter, um canibal encarcerado que a ajuda compreender e caçar um serial killer. Performance lendária de
Anthony Hopkins na pele do maníaco Hannibal. A contratação do ator deveu-se a
sua interpretação como Dr. Treves em “O Homem Elefante”. Ao questionar o
contrato, afirmando que Treves era uma personagem do bem, o diretor Jonathan
Demme respondeu, “Hannibal Lecter também é um homem bom, porém preso numa mente
insana”.
OS OUTROS (2001), de Alejandro
Amenábar
Numa mansão cercada pela névoa, Grace,
a proprietária, admite novos empregados em meio às dificuldades em criar os
filhos sensíveis à luz, enquanto mantém, de forma homérica, a esperança de que
o marido retorne da guerra. Um tempo após a acomodação da nova criadagem, ela
desconfia que a casa esteja sendo assombrada e que os próprios empregados se
tratam de fantasmas. O visual e postura de Nicole Kidman foram tentativas de
recriar a aura de Grace Kelly, atriz clássica da década de 1950, nas telas. Um
filme atraente pela reviravolta na narrativa.
ANTICRISTO (2009), de Lars von
Trier
Garoto com menos de 2 anos se
joga pela janela de um prédio. A mãe em luto, dominada pela ansiedade, começa a
ser tratada pelo próprio marido. Numa tentativa de encerrar o tratamento,
promovendo a cura da mulher pelo confronto direto com o medo, o marido a leva a
uma cabana na floresta. A narrativa, então, evolui de drama da perda para um
tratado psico-antropológico sobre as relações entre o feminino, a natureza, a
intervenção masculina e a maldade. Destaque para os recursos dramáticos da
câmera lentíssima de Von Trier e a interpretação atroz de Charlotte Gainsbourg.
A maior expressão do horror no cinema da última década.
A PELE QUE HABITO (2011), de
Pedro Almodóvar
Renomado cirurgião plástico
desenvolve pele artificial em cobaia humana. O cinema do desejo de Almodóvar
encontra no horror um perfeito aliado para narrar a história do envolvimento
entre cientista e cobaia, criador e criatura. Com ecos de “Frankenstein” e “Os
Olhos Sem Rosto” (outros clássicos do horror), o filme atormenta com estética
minimalista e reflexões existenciais profundas. Marcou o retorno de Antonio
Banderas ao universo almodovariano, além de reascender a discussão sobre
erotismo e sexualidade na filmografia do diretor.
Ah, o meu gênero preferido. Dentre os filmes citados um é o único que até hoje me dá medo. O Exorcista, que assisti pela primeira vez aos 12 anos e que me deixou atormentado por vários outros. O Ritual e O Exorcismo de Emily Rose também são filmes interessantes que seguem a mesma linha, porém O Exorcista é insuperável na minha opinião.
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